Meu Pai

Dom Eurico dos Santos Veloso

Arcebispo Emérito de Juiz de Fora(MG)

Não podemos falar de nossos pais sem nos recordar do que eles foram em nossas vidas, amor, carinho, dedicação, ternura.

Em minha casa, meu Pai reunia a família e em torno da mesa comentávamos o dia passado, fazíamos planos para o dia iniciado e conversávamos. Ao redor da mesa a vida acontecia, às vezes plena de alegria, outras vezes, obscurecida pelas feridas nascidas da batalha da vida.

Essa figura terna, carinhosa e, muitas vezes enérgica, marcou minha vida e me fez superar os obstáculos que todo ser humano tem que vencer na busca incessante do bem e da missão que Deus nos confia.

A paternidade é um mistério e através dela a chama da vida se perpetua pelo tempo.

Refletir sobre o Pai, sobre a paternidade, nos remetemos imediatamente ao nosso Pai, Deus.

Deus é a paternidade nunca terminada, pois Ele, sempre será o Pai em contínua paternidade.

Pai, sempre é Pai, uma vez, uma vez partícipe da geração dos filhos, essa relação, paterno filial, nunca se esgota com o passar dos tempos.

O sagrado livro do Eclesiástico dá um belo conselho aos Pais, relativamente à continuidade da relação, paterno filial;

“Quem ensina o filho colherá fruto nele e de se orgulhará no meio dos familiares.”( Eclesiástico, 30, 2).

Está ai o segredo da paternidade, uma geração nunca terminada e continuada através dos tempos.

Pois bem, como não se esgota com fluir do tempo a relação Pai e Filho, também não se esvai na sucessão dos tempos a relação Filho e Pai. É uma relação tão forte, que aprendemos a ser Pai, na medida em que somos Filho.

Todavia, infelizmente, muitos filhos, quando seus Pais envelhecem deles se esquecem e por isso a Bíblia, livro da vida, no sagrado do Eclesiástico, também, traz esse belo conselho aos filhos, para perpetuar a relação filho paterno:“Filho, ampara a velhice de teu pai e não lhe causes desgosto enquanto vive. Mesmo que esteja perdendo a lucidez, sê tolerante com ele e não o humilhes, em nenhum dos dias de sua vida.”(Eclesiástico, 3, 12 e 13).

Bem, quero encerrar essas breves reflexões sobre meu Pai, transcrevendo alguns pensamentos de VILMA GUIMARÃES ROSA, ao referir-se ao seu pai, GUIMARÃES ROSA, esse imortal escritor mineiro, no livro póstumo “ESTAS HISTÓRIAS”, publicado pela Editora Nova Fronteira. A página a que me refiro intitula-se: “PÁGINA DE SAUDADE”. Vamos lá:“Não é um prefácio. Apenas saudade e amor. O sentimento imedível da filha que apresenta um livro escrito pelo pai, vivente ainda no espírito e na beleza de uma obra límpida, expressiva e singular. Essas histórias ele criou sem imaginar que não veria livro feito. Ou saberia? Esteve sempre tão perto da verdade… Muitas delas ouvi de seus lábios, a voz modulada pela emoção do talento criador. Meus olhos cintilavam admiração. E ele acolhia, muito grato, o entusiasmo. Em seu gabinete, no Itamarati, apontava-me o cofre:

– Vilminha, você pensa que ali dentro só tem doce de leite e geléia de mocotó? Ríamos os dois juntos e comíamos gulodices escondidas na gaveta eu ele abria, sorrateiro. Imitando arte infantil ou parecendo lentamente desvendar mistérios misturados, complicados, sedutores…

E de repente, ele se foi. Encantou-se em beleza porque soube encontrá-la e transmiti-la. Suas estórias ficaram e a sua alma, dentro delas, ressoando em muitas terras.”

A página toda é um primor, uma beleza, um encanto. Mas, quero, apenas, finalizar com um fecho singular e lindo, quando a filha, tão saudosa, abre o cofre do Pai, falecido e encontra os originais desse livro tão especial de GUIMARÃES ROSA:

“No momento importante de se abrir o cofre (“doce de leite?…geléia de mocotó?), segredos guardados não mais se escondiam na intimidade. Quando a gente pára de existir, os outros descobrem tudo. Ou tentam. O que se foi, o que se queria ter sido, até mesmo o que não se queria ser.

Abraçada aos maços de originais, eu abraçava o meu João-Papai. Ali estava ela, apertado de encontro a mim. O seu tesouro arrumado na boa ordem mineira. Eu era apenas a guardiã desse precioso legado.”

Parabéns, queridos pais. Deus os abençoe!

FONTE: Arquidiocese de Juiz de Fora/MG

Deixe um comentário