Qual a diferença entre Ordem e Congregação?

A principal diferença entre “ordem” e “congregação” refere-se ao contexto histórico ligado a cada uma, e que faz com que as respectivas “vocações” sejam diferentes. As ordens são mais antigas, são as primeiras formas de vida consagrada comunitária que surgiram. Refletem o ideal dos Padres do Deserto, o desejo de deixar o mundo para dedicar-se totalmente à contemplação de Deus, que surgiu nos inícios do cristianismo.

Sabe-se que esses eremitas, repletos da sabedoria divina, eram muito procurados para aconselhamento e direção espiritual. Logo se viram rodeados de discípulos que queriam acompanhá-los e ser por eles guiados nessa opção radical de vida. Assim surgiram as primeiras comunidades de monges e seus mosteiros.

Para garantir a continuidade e fidelidade aos ensinamentos do mestre, surgiu a “regra”, o regulamento de vida da comunidade. As mais antigas regras conhecidas são as de São Basílio, Santo Agostinho e São Bento (os dois primeiros do século IV, o terceiro do V). A regra de São Bento, principalmente, serviu de modelo para quase todas as comunidades ocidentais nascidas posteriormente.

O termo “Dom” vem de “Dominus”, Senhor. A caridade fraterna era parte essencial do carisma da vida monástica, e São Bento queria que os monges considerassem cada um de seus irmãos como se fosse o próprio Cristo, daí o tratamento “Senhor”, na língua latina usada na época. Essa tradição permaneceu na Ordem Beneditina e outras que seguem a mesma regra, como os Cistercienses. Vale notar que o termo é mais comum na Europa. Na Itália, por exemplo, todos os padres são chamados “Dom”.

Naqueles inícios da cristandade, o ponto de referência da vida consagrada era o Mosteiro, cujo ideal era implantar no mundo pequenos modelos do Reino de Deus, onde se vivesse uma vida “ordenada” segundo os valores evangélicos (daí o nome “ordem”, que também era usado, entre os romanos, para designar um grupo social determinado, com características e funções próprias). Cada mosteiro constituía uma pequena “cidade” completa e auto-suficiente, inclusive economicamente, com sua produção agrícola e artesanal e sua autoridade governamental (o abade), mais ou menos como os “feudos” da época. Havia, portanto, os camponeses que dependiam do mosteiro e a ele serviam, e que estão, de certa forma, na origem dos institutos seculares de hoje (terceiros, oblatos, leigos que adotam a regra da ordem, mesmo vivendo no mundo). Cada mosteiro era, em princípio, independente, embora conservasse certa subordinação para com a “casa mãe” – o mosteiro mais antigo. A “personalidade” do mosteiro era tão forte que, pelo menos no caso dos Cistercienses, chegou a determinar o nome da ordem: os monges do mosteiro de Cister (na França), cuja figura principal foi São Bernardo, que depois fundou a comunidade de Claraval.

Uma das características do mosteiro era a vida de clausura, o retirar-se do mundo. Essa característica era essencial principalmente para as mulheres, já que os monges homens eram muitas vezes requisitados como diretores espirituais (inclusive das monjas), párocos e bispos. Muitos foram Papas.

Outras características eram a vida comunitária, a liturgia das horas rezada (ou melhor, cantada) em comum, a lectio divina ou meditação das Sagradas Escrituras, os três votos (pobreza, castidade e obediência) e a observância da regra. Além da regra, cada comunidade tinha também as suas “constituições”, que conferiam a cada uma a sua fisionomia própria, dentro da “família” a que pertenciam. Outra característica importante era o estudo, a formação intelectual, motivo pelo qual os monges medievais foram grandes inventores e protagonistas de importantes avanços científicos, promotores das letras, das artes, da vida acadêmica (foram os fundadores das primeiras universidades).

Nos inícios do século XIII, apareceram as chamadas “ordens de vida ativa” ou “ordens mendicantes”, dedicadas à pregação, como os dominicanos (cujo nome oficial é justamente “Ordem dos Pregadores”), e os franciscanos. Como reação ao luxo e poder que caracterizavam a Igreja de seu tempo, essas ordens resolveram abraçar mais radicalmente a pobreza, passando a viver apenas de esmolas, e não mais em mosteiros autônomos. A estrutura dessas ordens já não se constrói em torno do mosteiro, mas de um território específico – a província.

Para serem reconhecidas juridicamente, todas as ordens (inclusive as femininas) deviam adotar uma das três regras conhecidas. Os dominicanos adotaram a regra de Santo Agostinho, mas a Ordem dos Frades Menores (de São Francisco de Assis) conseguiu a aprovação de uma regra nova, própria deles.

É nesse contexto que surge também, na Europa, a Ordem dos Carmelitas, representada por um grupo de monges que viviam inicialmente como eremitas no Monte Carmelo, na Palestina, tendo o profeta Elias como seu modelo e mestre. Com a retomada da Terra Santa pelos muçulmanos, tiveram que retornar à Europa, onde enfrentaram duras provações, na tentativa de obter o reconhecimento oficial da Igreja para a sua Ordem.

Outra derivação das ordens monásticas foram as ordens militares, criadas para oferecer proteção aos peregrinos e aos participantes das Cruzadas pela reconquista da Terra Santa. Desse tipo são a Ordem dos Templários e a de Malta, depois extintas.

Nos começos do século XVI, a Igreja inteira tinha fome de reforma. Tanto o clero hierárquico quanto a vida monástica achavam-se corrompidos e decadentes, preocupados unicamente com “status” e dinheiro. Nesse contexto, começaram a surgir pequenos grupos empenhados na reforma espiritual da Igreja, especialmente do clero. Para esses grupos (no caso masculino), o fato de ser sacerdote não era um acréscimo (como no caso dos monges), mas uma condição. Ao contrário dos monges, esses sacerdotes não queriam afastar-se do mundo, mas inserir-se nele, dedicando-se ao apostolado, à formação dos seminaristas, à reforma dos costumes – à evangelização, enfim. Assim surgiu, primeiro, a Congregação do Oratório (do Pe. Bérulle), logo seguida por outras “famílias” de padres que se dedicavam a pregar, a confessar, a celebrar a Eucaristia, a promover iniciativas devocionais, educacionais (como os salesianos de Dom Bosco), ou assistenciais (cuidando de doentes ou pobres, como os camilianos), ou priorizavam a atividade missionária (como os jesuítas), ou as comunicações (como os paulinos), atendendo assim às mais diversas necessidades pastorais, segundo o carisma de cada fundador. Essas são as Congregações, que diferem das Ordens especialmente pela índole apostólica, em oposição à clausura. Ao objetivo da santificação pessoal (que continua presente), as congregações acrescentam o trabalho ativo pela santificação do mundo, da Igreja, das estruturas da sociedade. Pela própria índole de suas atividades, a organização jurídica é mais simples e flexível, e a vida comunitária menos intensa, embora se mantenha em certa medida. Conservam também os três votos, embora as congregações não façam votos solenes (como as ordens), e sim votos simples (na prática, não há diferença entre os dois tipos de votos, a diferença é apenas jurídica – por exemplo, se um monge que tenha feito votos solenes decidir casar-se, esse casamento, se feito sem a devida licença de Roma, será inválido; se for um religioso de votos simples, o casamento será ilícito, mas não inválido). Não são regidas por regras, e sim, apenas, por constituições, baseadas no seu carisma próprio. Outra característica é a subordinação direta à Santa Sé, na ordem jurídica, embora haja também certa subordinação ao Bispo local.

Um exemplo à parte são os Jesuítas, de Santo Inácio de Loyola, que conseguiram o “status” de Ordem, embora tenham sempre sido uma sociedade de vida apostólica.

As associações femininas foram, durante muito tempo, obrigadas a adotar a clausura e enquadrar-se como “ordens”, se quisessem ser reconhecidas como comunidades religiosas. Foi o caminho adotado, por exemplo, pela ordem da Visitação, fundada por São Francisco de Sales e Santa Joana Francisca de Chantal, que a princípio dedicava-se também à atividade apostólica, e hoje é uma ordem de clausura. Outras, para não renunciar ao seu carisma apostólico, preferiram continuar como meras associações seculares (leigas), como foi o caso das Filhas da Caridade, de São Vicente de Paulo. Mais tarde, também as sociedades apostólicas femininas obtiveram seu reconhecimento como verdadeiras congregações religiosas. Os institutos seculares, porém, continuaram existindo, inclusive alguns masculinos, como os irmãos maristas e os lassalistas.

Hoje, do ponto de vista jurídico, tanto as ordens como as congregações são igualmente definidas como “Institutos de Vida Consagrada”. Há as ordens mais antigas e tradicionais, com vida comunitária de clausura: beneditinos, agostinianos, carmelitas, cistercienses, premonstratenses, etc. (sem esquecer aquelas que, além da clausura, optam por uma vida de silêncio, quase eremítica, como os trapistas e cartuxos). Há as intermediárias, como os franciscanos, dominicanos e jesuítas. Já as congregações são inúmeras (só no séc. XIX foram fundados 625 novos institutos!). Algumas são inspiradas nas ordens e conservam certa ligação com estas, como as várias congregações da família carmelitana.

Artigo de Margarida Hulshof, escritora e tradutora, responsável pela coluna “Respondendo aos Leitores” do jornal católico O Lutador. Se você gostou deste artigo, poderá encontrar outros semelhantes em suas obras já publicadas Conversando sobre a fé – volumes 1 e 2 (Editora Santuário) e Sei em quem acreditei (Editora O Lutador).

por Católicos na Rede Postado em Artigos

5 comentários em “Qual a diferença entre Ordem e Congregação?

  1. parabéns e obrigado pela a sua resposta.
    que DEUS sempre possa iluminar pessoas como você que faz somar cada vez mais a nossa fé.
    obrigado.

    Curtir

  2. Gostei muito da matéria caríssima professora. Parabéns! Que o Espírito Santo continue iluminando sua vida, para contando que esses artigos, possamos melhor entender o serviço que somos chamados, O Povo de Deus.
    Pedro

    Curtir

Deixe um comentário