Casamento e prazo de validade!

Padre Gilvan Rodrigues*

Não sei quantas pessoas gostaram da iniciativa, no México, da possibilidade de um “casamento civil” – diga-se de passagem, embora tenham apresentado cenas com o “casamento religioso”, na presença de um padre – com prazo de validade, apresentado no programa do Fantástico, no domingo, seis de novembro. Mas, gostaria de refletir sobre o modismo dialético do “faça como você achar que deve”. Esse deve ser o ditame da consciência de cada um que gere sua vida do jeito que considera mais conveniente, inclusive, com a pessoa, supostamente, amada, com a qual ela quis estabelecer laços mais profundos, na recíproca aceitação entre um homem e uma mulher, que constituem a natureza original do que, mais tarde, foi levado à condição de sacramento.
O fato é que essa união natural entre duas pessoas de sexos opostos sempre existiu em todas as civilizações da história humana. E ela – a união – está, até mesmo, na origem criacional de Deus que “criou homem e mulher”, conforme o relato bíblico (Gn 1,27).
O mundo está vivendo, assim, aos avessos, sem nenhum compromisso sério mais com nada nem com ninguém. As pessoas tornaram-se objeto da satisfação momentânea e interesseira da volição alheia, da vontade do outro, que usa e abusa até dizer “não quero mais! Vou partir pra outra!”. Vivemos a cultura da banalização de tudo, de todos os relacionamentos. Até na Igreja, parece – eu disse “parece”, portanto, afirmação duvidosa – que o Sacramento do matrimônio tem sido banalizado. Basta qualquer pagão apresentar-se dizendo que quer marcar a data de seu casamento, para que tenha direito a véu e grinalda, no caso das mulheres, nem que seja somente para sair bem na foto, sendo que, qualquer tempo depois, separa-se por não se dispor a nenhum tipo de sacrifício no relacionamento a dois. Basta ver as pessoas que procuram as Igrejas chiques de Aracaju e do mundo, buscando o Sacramento da Igreja do qual elas não têm muita noção do que significa. Claro que, graças a Deus, não são todos que desconhecem as implicações do Sacramento que vão receber, mas, infelizmente, esses estão no circuito da minoria. Na grande maioria, são pessoas que não vivem a religião, muito menos a sua fé, e não têm nenhum compromisso com o que pretendem receber. Em minha opinião – e ainda bem que não é a opinião da maioria – somente deveriam receber o Sacramento do Matrimônio as pessoas que vivem nas comunidades católicas cristãs, demonstrando o testemunho de assumir o risco de sua fé em todas as circunstâncias da vida, e não apenas quando se lembram de ritos mágicos, que pensam transformar sua vida, sem o compromisso radical com as consequências de suas escolhas. É verdade que ninguém se casa hoje para separar-se amanhã, como também nenhum padre se ordena hoje para deixar o ministério sacerdotal logo depois. No entanto, penso que deveria haver o mínimo possível do esforço de correspondência e fidelidade aos compromissos assumidos publicamente, perante Deus e a Igreja.
Então, quais são, de fato, as implicações do Sacramento do Matrimônio na vida dos cristãos, isto é, daqueles que, conscientes da responsabilidade com a sua fé e adesão a Cristo, comprometem-se a levar adiante os desafios testemunhais de sua religião? O Catecismo da Igreja Católica (CIC) apresenta-nos alguns critérios doutrinais nesse sentido. Inicialmente, o Catecismo afirma: “A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão da vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento por Cristo Senhor” (CIC, n. 1601). E o Catecismo esclarece mais: “O Sacramento do Matrimônio significa a união de Cristo com a sua Igreja. Concede aos esposos a graça de amarem-se com o mesmo amor com que Cristo amou a sua Igreja; a graça do sacramento leva à perfeição o amor humano [tão banalizado hodiernamente] dos esposos, consolida sua unidade indissolúvel e os santifica no caminho da vida eterna” (CIC, n. 1661); “O Matrimônio baseia-se no consentimento dos contraentes, isto é, na vontade de doar-se mútua e definitivamente para viver uma aliança de amor fiel e fecundo” (CIC, n. 1662); “A unidade e indissolubilidade e a abertura à fecundidade são essenciais ao Matrimônio. A poligamia é incompatível com a unidade do matrimônio; o divórcio separa o que Deus uniu; a recusa da fecundidade desvia a vida conjugal de seu ‘dom mais excelente’: a prole” (CIC, n. 1664); “O novo casamento dos divorciados ainda em vida do legítimo cônjuge contraria o desígnio e a lei de Deus que Cristo nos ensinou. Eles não estão separados da Igreja, mas não têm acesso à comunhão Eucarística. Levarão vida cristã principalmente educando seus filhos na fé” (CIC, n. 1665); enfim, cito apenas mais um parágrafo do Catecismo: “O lar cristão é o lugar em que os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. Por isso, o lar é chamado, com toda razão, de ‘Igreja doméstica’, comunidade de graça e de oração, escola das virtudes humanas e da caridade cristã” (CIC, n. 1666).
Com certeza, as ideias contidas nas definições do Catecismo não coincidem com o pensamento dos pagãos da modernidade. Na verdade, são até palavras ultrapassadas, fora de moda. Imaginem se vocábulos como “fidelidade”, “amor”, “entrega definitiva”, “indissolubilidade”, “unidade”, “fecundidade”, entre outros, correspondem à mentalidade abortífera, infiel e dissoluta do mundo moderno. Claro que não! O problema, talvez, seja o laxismo moral com que permitimos que nossa consciência seja invadida e contaminada pelas doutrinas da moda e pela seiva venenosa do neo-paganismo atual. Mesmo assim, embora o mundo da cultura do achismo e do modismo assuma várias concepções a respeito do casamento, para a Igreja sua definição é uma só dentro do expediente dos Sacramentos da Igreja, que servem para santificar os homens, em qualquer estado de vida, segundo a vontade de Cristo. E mesmo que a palavra de Cristo não diga mais nada ao mundo moderno, eu não posso deixar de citá-la, a fim de extrair dela a grandeza e a exigência radical de seu ensinamento. Falando da indissolubilidade do Matrimônio e do efeito devastante do divórcio, Cristo afirmou: “Foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe uma carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por motivo de ‘prostituição’ [do original grego “porneia”, isto é, “imoralidade sexual”, “fornicação”, “união ilegítima”, “infidelidade conjugal”, “comportamento sexual ilícito”], faz com que ela adultere; e aquele que se casa com a repudiada, comete adultério” (Mt 3,31-32). Eis, pois, aí, uma página do Evangelho de Cristo que muitas pessoas, entre as quais alguns padres e bispos, gostariam de rasgar pelo incômodo de sua tão contundente verdade.
Essa intenção escondida e dissimulada em dialéticas pessoais, mas não convincentes, manifesta o desejo de receber aplausos pela conveniência do “ser bonzinho”, mesmo que para isso, eles traiam a verdade perene do evangelho de Jesus Cristo. Com sinceridade, devemos reconhecer que a palavra de Cristo é dura e radical, como também deve ser radical a exigência da vivência cristã de seus sacramentos. Conclusão: a palavra da Igreja é a Palavra de Cristo, e somente quem se dispõe a não ser enganado pela corrente astuciosa das falácias modernas, de seus argumentos falsos, deve aderir a ele e à sua doutrina, que é imutável, soprem os ventos que soprarem no redemoinho da confusão de muitas consciências inadvertidas e maleáveis quanto aos caprichos de sua própria insegurança. Assim, o “casamento civil”, que pode ser feito e desfeito quantas vezes o cliente desejar, não possui valor de Sacramento, como o é o “Casamento religioso”, o matrimônio, expressão sublime do amor incondicional entre Deus e a humanidade, entre Cristo e sua Igreja. De fato, o sacramento do matrimônio não é uma convenção humana em que os cônjuges tomam parte somente até quando quiserem ou desejarem.
Sei que existem as inconveniências do relacionamento a dois, como as consequências da traição, da infidelidade, da violência – tão frequente nos noticiários cotidianos – da falta de compreensão e diálogo recíprocos, da mentira justificada pela desconfiança e o desrespeito. Todavia, em meio aos dissabores e vicissitudes por que passam os casais envolvidos e enrolados nas incongruências do casamento, a Igreja vai defender até o fim a sacralidade do matrimônio válido e legítimo diante de Deus e da Igreja, no sentido de promover, como fruto da liberdade interior com que eles se dão e se entregam, voluntariamente, a santificação das famílias cristãs. Isso é devido à graça santificante própria e conferida a quem recebe os sacramentos da Igreja, com a devida disposição de inteligência e preparação do espírito.
* Pós-graduado em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela FSLF, Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Professor de Sagrada Escritura, Chanceler do Arcebispado de Aracaju, membro da ASI (Associação Sergipana de Imprensa) e escritor.
por Católicos na Rede Postado em Família

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